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Otimismo míope face ao crescimento do PIB
Problemas estruturais não desapareceram e vão condicionar os próximos anos

A incerteza dos tempos atuais está patente na invulgar disparidade de previsões para a evolução do PIB nacional em 2022 divulgadas em abril e maio, numa altura em que já decorreu uma parte significativa do ano.

Os valores de crescimento real vão desde 4,5% na projeção do FMI (nas consultas anuais ao abrigo do artigo IV, divulgadas em maio, uma melhoria face aos 4% no World Economic Outlook de abril) a 5,8% na da Comissão Europeia, ambas divulgadas a meio de maio. A estimativa de 4,9% usada pelo Governo na elaboração do Orçamento de Estado de 2022, datada de abril, é, por isso, um meio termo entre as projeções mais extremadas do FMI e da Comissão, divulgadas posteriormente.

Se a previsão relativamente mais alta da Comissão Europeia estiver correta, a subestimação pelo Governo do crescimento real, mas também da inflação (4,0%, face a 6,0% nos dados da Comissão), significa que o PIB nominal e as receitas fiscais irão crescer acima do previsto, o que em conjunto com a atualização dos salários bastante abaixo da inflação (0,9%), levará a uma significativa folga orçamental, que no entender da AEP deveria ser utilizada em parte para apoiar de forma mais decisiva as empresas afetadas pelo choque de custos, mitigando ao mesmo tempo a pressão inflacionista.

O otimismo com que foi recebida a projeção da Comissão Europeia revela uma miopia de análise − não olhando nem para o passado nem para o futuro previsível −, esquecendo que o crescimento económico deve ser analisado em horizontes mais longos e numa ótica mais estrutural. 

O tom de otimismo começou no final de abril com a divulgação pelo INE de um crescimento do PIB em volume no 1º trimestre bastante acima do esperado (2,6% em cadeia e 11,9% em termos homólogos) e que se veio a revelar o mais alto entre os países da UE (onde a variação média foi de 0,4% em cadeia e 5,2% em comparação homóloga), refletindo em boa medida a recuperação mais rápida do que antecipado do turismo (a beneficiar da imagem de país seguro e distante do atual conflito militar). Esses dados contribuíram para a revisão em alta da previsão da Comissão para o conjunto do ano.

Vejamos agora porque o otimismo é exagerado.

A um nível meramente estatístico, se o PIB não crescesse mais em cadeia até final do ano (ou seja, se o valor do 1º trimestre fosse repetido nos seguintes), um efeito de "herança estatística" conhecido como "carry over", o crescimento anual seria de 6,4%, pelo que o valor anual de 5,8% da Comissão já não parece tão bom, incluindo mesmo uma previsão de queda em cadeia de -1,5% no 2º trimestre (altura em que a UE deverá ter uma variação de 0,1%).

Mais importante, o crescimento elevado no contexto europeu em 2022 deve-se, em boa medida, a um efeito de recuperação − nomeadamente da atividade turística, ainda abaixo dos níveis pré-pandemia −, após desempenhos relativamente maus nos dois anos anteriores (-8,4% em 2020, o 3º pior desempenho da UE, e 4,9% em 2021, o 11º mais baixo). Entre 2019 e 2022, a variação real prevista do PIB é apenas 0,5%, a 7ª mais baixa da UE, confirmando o mau desempenho relativo neste milénio.

Com efeito, indo mais para trás, Portugal registou o 3º crescimento mais baixo da UE de 2000 a 2019 (variação média anual de 0,8%, face a 1,6% na UE), com implicações na deterioração do posicionamento em termos de nível de vida (de 15º no ano 2000 para 21º em 2021, o 7º pior).

Os problemas estruturais não desapareceram e continuarão a condicionar a geração de riqueza e o nível de vida relativo nos próximos anos. Em 2023, mesmo com efeitos do PRR, o crescimento de Portugal baixa para 2,7% nas previsões da Comissão, já na segunda metade da tabela (15ª posição em 27 países) e abaixo da dinâmica dos seis países que ainda têm um nível de vida inferior ao nosso (Roménia, Letónia, Croácia, Eslováquia, Grécia e Bulgária, por ordem decrescente de nível de vida

A AEP reitera a principal conclusão do seu estudo "Do Pré ao Pós Pandemia - Os novos desafios", de que se não houver uma inversão de políticas em prol da melhoria da produtividade e da competitividade da economia, com uma forte aposta nas empresas, aproveitando a oportunidade única dos fundos europeus, Portugal ficará cada vez mais na cauda da Europa. Infelizmente, os sinais são negativos. Se essa aposta foi fraca no PRR, estamos a tempo de a reparar na alocação do PT 2030.