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Indústria de componentes para automóveis em análise
José Couto, presidente da AFIA, em entrevista à revista BOW 29

“Podemos afirmar que 98% dos modelos automóveis produzidos na Europa têm pelo menos um componente Made in Portugal. Quem o diz é José Couto, presidente da AFIA – Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel, em entrevista ao número 29 da revista BOW, dedicado ao tema “Indústria Automóvel e de Componentes – Desafios nos Mercados Internacionais”.

José Couto fala sobre uma indústria que tem vindo a registar um assinalável desempenho, com as exportações em crescimento há meses consecutivos, o que “só é possível ser conseguido pela resiliência, competência e fiabilidade continuadamente demonstradas pela indústria junto dos clientes internacionais”, e que está preparada para responder aos desafios dos clientes, do regulador e da mobilidade do futuro.


As exportações de componentes para automóveis em Portugal estão em ascensão há 16 meses consecutivos, tendo crescido 8,9% em relação ao mesmo mês do ano passado, contribuindo para o crescimento económico do país. A que se deve este resultado?

Deve-se aos empresários e empresárias, às equipas das empresas que têm conseguido ganhar negócios, que têm demonstrado a qualidade das empresas e afirmando a sua competitividade. É de notar que a indústria de componentes automóveis, apesar de enfrentar desafios e cenários que continuam a afetar empresas e fornecedores, quer a nível nacional quer internacional, tem encontrado formas de manter a sua competitividade mostrando-se um setor extremamente resiliente e de elevada adaptabilidade às circunstâncias. As vendas que agora são feitas ao exterior, aos clientes, quer sejam construtores ou fornecedores de primeira linha, foram contratadas, na maior parte, há três anos. Agora estamos a trabalhar para continuarmos a ser fornecedores nos próximos anos.

Refira-se que as exportações portuguesas de bens transacionáveis estão em queda há 5 meses, pelo que a indústria de componentes automóveis tem ajudado ao crescimento económico de Portugal, mas poderão vir tempos em que podemos ter dificuldades porque a Indústria Automóvel está perante desafios enormes.


A faturação em 2022 foi de 13 mil milhões de euros, detendo uma quota de exportação superior a 83%. Poucos setores igualam com este setor?

Em 2022 o valor de vendas da indústria de componentes para automóveis manteve a tendência de crescimento, aliás foi estabelecido um novo recorde absoluto, o volume de negócios cifrou-se ligeiramente acima dos 13.000 milhões de euros, uma taxa de crescimento de 14,4% face a 2021. As vendas para o mercado externo alcançaram os 10.800 milhões de euros, o que representa uma quota de 83%. Aliás, nos últimos anos o peso das exportações aumentou passando dos 80% em 2019, para os 83% em 2022, ou seja, uma subida de 3 pontos percentuais. Contudo, feitas as contas, exportações diretas e indiretas, o valor de vendas ao exterior deverá rondar os 97%.

Os componentes para automóveis correspondem a 14% das exportações portuguesas de bens transacionáveis, ou seja, por cada 100 euros que Portugal vende ao exterior, 14 euros são componentes automóveis.

Entre 2015 e 2022 a Indústria de Componentes para Automóveis cresceu a uma taxa de +5,8% ao ano, o que compara com um decréscimo médio anual de -3,8% da produção automóvel na Europa. Isto demonstra um aumento de penetração e ganho de quota de mercado dos componentes portugueses e confirma a competitividade e a sustentabilidade económica da indústria de componentes em Portugal.


São estes resultados alcançados apesar do aumento dos custos da inflação, transportes, energia e matérias-primas, que afetam este e outros setores de atividade? Qual a estratégia?

Exportando o grosso da sua produção para mercados totalmente abertos e globalizados e concorrendo livremente com todos os outros países num contexto de enorme competitividade de preços, todas as questões ligadas a custos se revestem de extrema relevância. Temos a certeza que está entre as primeiras preocupações das empresas.

O atual quadro legal português ainda não permite às empresas de uma forma suficientemente expedita, desburocratizada e sem custos extra adaptarem a laboração às variações de curto prazo do fluxo de encomendas, ao contrário do que acontece noutros países.

Também o elevado custo da energia – dos maiores da Europa (e incluímos aqui a eletricidade, o gás e os combustíveis líquidos), e a elevada fiscalidade que pesa sobre as empresas têm prejudicado as empresas, condicionando a criação e distribuição de riqueza, mas em primeira linha os preços com que se apresentam nos mercados, o que obriga a que as empresas baixem preços afetando a margem do negócio. No final é dizer que para ser competitivo, temos que sacrificar a margem.

Os custos logísticos (combustíveis, portagens, fretes portuários) em Portugal são maioritariamente mais elevados do que nos países nossos concorrentes, acentuando o efeito de Portugal como país limítrofe e por isso afetando o posicionamento competitivo de partida e a atratividade das nossas empresas e produtos. Mas, não podemos deixar de juntar a esta coleção de dificuldades a falta da via-férrea como alternativa, é fundamental a existência de boas ligações ferroviárias à Europa, passar os Pirenéus, de preferência com bitolas que não obriguem a transbordos, designadamente a linha Aveiro-Salamanca.

Todas as possíveis melhorias nestes constrangimentos iriam permitir à indústria de componentes automóveis crescer ainda mais sustentadamente – melhor: poder continuar a crescer.


A Espanha foi o principal destino de exportação deste setor. Quais os mercados igualmente importantes?

No acumulado até agosto do presente ano as exportações de componentes para automóveis ultrapassaram os 8.125 milhões de euros, o que representa um acréscimo de 18,4% face ao mesmo período de 2022.

Note-se que a Europa concentra 89,2% das vendas realizadas neste ano, no que toca à quota das exportações de componentes para automóveis em 2023 por região. Relativamente ao acumulado do ano, as exportações de componentes para automóveis para esta região, até agosto, aumentaram 20,8%, face ao período homólogo de 2022. Espanha continua a ser o principal destino dos componentes automóveis fabricados em Portugal, representando 27,9% das exportações, seguindo-se a Alemanha (com uma quota de 22,5%), França (10,7%) e a Eslováquia (4,3%). Estes quatro países concentram mais de 65% das exportações dos componentes automóveis fabricados em Portugal. Muitos poderão ficar surpreendidos pelo crescimento da Eslováquia, mas este crescimento da atividade neste país está ligado à instalação de uma OEM (construtor automóvel) e aos seus fornecedores de primeira linha, e valerá o tempo que perdermos nesta reflexão: porque conseguiram captar este investimento?


Neste âmbito, como tem sido encarada a China, uma concorrente de peso também neste setor?

A China é atualmente o principal país quer na produção como na venda de automóveis, a responder com um terço tanto ao nível da oferta como na procura de automóveis. As empresas chinesas têm uma estratégia de expansão para outras geografias e Portugal poderá constituir-se como um bom parceiro, pois temos capacidade de desenvolvimento e engenharia, além de fornecedores capacitados. As empresas portuguesas estão aptas para cooperar com as empresas chinesas para encontrar as melhores soluções que respondam aos desafios da mobilidade do futuro. Portugal é um bom destino para um potencial investimento chinês.

Como olha o setor para o facto de a AutoEuropa ir produzir um modelo híbrido a partir de 2025?

A concretizar-se este novo modelo para a Volkswagen AutoEuropa, e nada indica que não aconteça, a AFIA congratula-se e manifesta a sua satisfação por este reconhecimento, que demonstra a continuidade da VW no nosso país e esperemos que reforce a competitividade da indústria automóvel portuguesa.

A AFIA está em contacto permanente com todas as entidades que têm poder para influenciar o setor, sensibilizando-as para as potencialidades desta indústria e incentivando-as no sentido das intervenções possíveis e desejáveis.

A AFIA promove o crescimento, a competitividade, a internacionalização e as exportações das empresas nacionais, apoia compradores estrangeiros a encontrar fornecedores portugueses e apoia os investidores estrangeiros no início e na integração de novas atividades em Portugal, tendentes a alargar a base industrial portuguesa e a reforçar o setor. O facto da VW manter e reforçar o investimento de produzir o veículo que mais vende é um bom exemplo e motivo para sermos olhados por outros.


Como pode o setor nacional posicionar-se?

Podemos afirmar que 98% dos modelos automóveis produzidos na Europa têm pelo menos um componente Made in Portugal. Tal desempenho só é possível ser conseguido pela resiliência, competência e fiabilidade continuadamente- te demonstradas pela indústria junto dos clientes internacionais. Queremos continuar a dizê-lo – produzimos peças para quase todos os automóveis produzidos no espaço europeu – e julgamos que a indústria nacional está mais do que preparada para responder a este desafio.

A indústria portuguesa de componentes para automóveis oferece soluções para dar forma à mobilidade do futuro, inteligente e com baixas emissões de carbono. Estamos a conseguir responder aos desafios dos nossos clientes, aos desafios do regulador, ao novo quadro concecional da mobilidade, a todo este novo desiderato. Porém não nos podemos equivocar: nem tudo depende das empresas!


De que modo pode o setor português posicionar-se para ajudar a AutoEuropa a resolver os riscos de paragem, provocados pelas quebras de fornecimentos de fornecedores internacionais, em virtude de imponderáveis?

A gestão da cadeia de abastecimento é um grande desafio para qualquer organização. É também uma das operações mais cruciais de qualquer atividade comercial, e todas as empresas querem certificar-se de que continua a ser tão eficiente e produtiva quanto possível.

Acontece que a gestão da cadeia de abastecimento é também uma das áreas mais voláteis e imprevisíveis de qualquer negócio, porque depende em grande medida de fatores exógenos, como agora foi exemplo.

A pandemia Covid-19, a Guerra / Conflitos Geopolíticas e as catástrofes naturais e os subsequentes constrangimentos provocados pela escassez de semicondutores e outros componentes mostra que é essencial, ficou claro, uma aproximação das cadeias de abastecimento.

É consensual a identificação do setor automóvel como um dos mais competitivos, com uma fortíssima concorrência a nível global. A capacidade instalada é consideravelmente superior à procura, o que provoca um ambiente de negócio de grande competição, naturalmente extensivo ao setor de fabricação de componentes. Mas atenda-se ao facto de na Europa os fornecedores de componentes serem responsáveis por 1,7 milhões de empregos e investirem 30.000 milhões em Investigação e Desenvolvimento. As empresas nacionais têm sabido estar neste jogo e consideram-se aptas a fornecer muito mais componentes à AutoEuropa do que aquelas que já fornece. Já foram encetadas reuniões entre o Ministério da Economia, AFIA e Volkswagen AutoEuropa, no sentido de podermos vencer dificuldades e a VW poder trabalhar mais com a indústria nacional de componentes.


A indústria de componentes para automóveis em Portugal agrega cerca de 350 empresas e emprega diretamente 63.000 pessoas. É possível caraterizar estas empresas e pessoas (quanto à dimensão, investimento em inovação, especialização…)?

Um número reduzido de empresas – 0,9% das empresas transformadoras – vendem 13.000 milhões de euros. É um número grande para poucas empresas. Por isso vale a pena ter algum tempo para conhecer o cluster, das empresas que produzem componentes: 63% das empresas têm maioria do capital nacional; são na sua maioria de dimensão média ou mid caps; localizam-se no Norte e Centro do país (85%); representam 5,4% do PIB; empregam 9,1% da indústria transformadora; e produzem 12,0% do valor acrescentado bruto da indústria transformadora.

São números relevantes e que só podem ser atingidos pela qualidade das empresas, pela excelência da gestão, pela adequação aos standards internacionais, impostos pela Indústria Automóvel. É uma indústria que investiga, estimula as parcerias com universidades de engenharia portuguesas e que apresenta elevadas taxas de formação dos seus ativos, com um inequívoco aumento dos conhecimentos e sua realização profissional.



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