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Falta o manual de instruções da proposta
A opinião de Luís Miguel Ribeiro no Dinheiro Vivo

Na sua mais recente coluna de opinião no Dinheiro Vivo, o presidente da AEP analisa a espiral inflacionista "importada", com reflexos diretos em várias frentes: na subida dos custos de produção das empresas e dos encargos financeiros (via taxas de juro), na queda do poder de compra das famílias e no crescimento económico, pelo elevado peso do consumo privado no PIB.

Para Luís Miguel Ribeiro, "a melhoria da vertente social depende do estímulo aos criadores de riqueza e de emprego (sobretudo, as empresas privadas) e da existência de um ambiente favorável aos negócios".

Leia a coluna:

Falta o manual de instruções…

Os efeitos do contexto fortemente adverso - impactos da pandemia e da guerra - estão a conduzir a uma subida dos preços que já não observávamos há três décadas.

Em maio, a variação do IPC foi de 8%, o dobro da previsão para o ano inscrita no Orçamento do Estado para 2022 e o máximo dos últimos 29 anos. Nos produtos alimentares não transformados o aumento dos preços foi de cerca de 12% e nos energéticos ultrapassou os 27%, o máximo de há 37 anos.

Esta espiral inflacionista "importada" reflete-se diretamente em várias frentes: na subida dos custos de produção das empresas e dos encargos financeiros (via taxas de juro), na queda do poder de compra das famílias e no crescimento económico, pelo elevado peso do consumo privado no PIB (cerca de 65%).

Portugal tinha já (antes da pandemia e da guerra) um problema grave de crescimento. Está, agora, numa trajetória de recuperação, mas com muitos riscos.
No primeiro trimestre, o PIB cresceu, em termos homólogos, 11,9%, o que é muito positivo, mas reflete o efeito de base. De destacar que cerca de 69% desse aumento é explicado pela dinâmica do consumo privado, que subiu 12,6%, impulsionado pelo levantamento das restrições no quadro da pandemia. É um claro sinal de como a redução do poder de compra pode afetar, em muito, o crescimento.

Precisamos de políticas públicas que mitiguem os custos que as empresas enfrentam e que atenuem a diminuição do rendimento líquido disponível das famílias. Não faz sentido a dicotomia entre políticas públicas de apoio às empresas e de apoio social. A melhoria da vertente social depende do estímulo aos criadores de riqueza e de emprego (sobretudo, as empresas privadas) e da existência de um ambiente favorável aos negócios.

Nesta matéria, a proposta de aumentar, como que "por decreto", os salários em 20% e reduzir o tempo de trabalho em 20% é "querer o céu na terra", mas, como referiu António Saraiva, falta o "manual de instruções". Não é a bondade da proposta que está em causa, mas a viabilidade da sua concretização no atual contexto e face ao grau de desenvolvimento da economia portuguesa, um fator que deve ser tido em conta, como, aliás, defende o Parlamento Europeu na atual abordagem à diretiva dos salários mínimos na União Europeia: os Estados-membros terão que avaliar se seus salários são adequados para garantir um padrão de vida decente, levando em consideração suas próprias condições socioeconómicas, poder de compra ou níveis e desenvolvimentos nacionais de produtividade a longo prazo.

Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal
In Dinheiro Vivo 11.06.2022