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No pódio, pelas melhores e piores razões

A discussão em torno das projeções macroeconómicas costuma ganhar um particular relevo nesta altura do ano, por ocasião da apresentação do Orçamento do Estado para o ano seguinte.

A divergência de projeções entre os vários organismos oficiais, nacionais e internacionais, é já uma situação recorrente, mesmo em períodos considerados de relativa normalidade.

Num contexto de elevada incerteza, como é aquele em que estamos a viver, será razoável admitir a existência de discrepâncias.

Na proposta do Orçamento do Estado para 2023 o Governo aponta um crescimento real da economia portuguesa para o próximo ano de 1,3% e uma inflação de 4%. Há quem considere valores demasiado otimistas, mas há também quem considere valores realistas. 

A verdade é que, apesar da elevada imprevisibilidade, não temos diferenças muito assinaláveis, embora se registe um maior alinhamento na previsão do crescimento e uma maior dispersão na variação dos preços, sendo plausível a opinião quanto à existência de riscos descendentes no que concerne ao crescimento da atividade económica e ascendentes no caso da inflação. Também partilho dessa opinião.

Paradoxalmente, se as projeções da Comissão Europeia de julho se confirmarem quanto à evolução do PIB português para 2022 (6,5%), Portugal será o país que mais vai crescer. Ou seja, em matéria de crescimento ocuparemos este ano o primeiro lugar no pódio! 

Em termos europeus, pelo menos desde o ano de 1995, início da série de dados do Eurostat, nunca tínhamos ocupado esta posição. A nível nacional, temos de recuar ao início da adesão de Portugal à então CEE, na segunda metade dos anos oitenta do século passado, para encontrar um crescimento da economia portuguesa da magnitude do previsto para 2022. Como conseguir tal proeza precisamente numa conjuntura com amplos efeitos penalizadores sobre o crescimento? Será um erro de cálculo das projeções?

Creio que não. Nas análises que o Departamento de Estudos e Estratégia da AEP tem vindo a produzir, quer antes do eclodir da guerra na Europa, na publicação “Do Pré ao Pós Pandemia: Os grandes desafios”, quer já com os seus impactos, na publicação “Do Pré ao Pós Pandemia: Os Impactos da Guerra”, é visível que tal resulta de efeitos temporários, nomeadamente do efeito de carry-over de 2021 e da recuperação mais forte e rápida das exportações, sobretudo de serviços, ligadas ao turismo, no primeiro semestre do ano, bem como da evolução relativamente desfavorável de países do centro e leste europeu, mais penalizados pelo conflito na Ucrânia.

Em 2023, esgotados estes efeitos temporários, voltaremos a ter um crescimento anémico, abaixo do meio da tabela!

Por isso, a par dos constrangimentos de caráter conjuntural, urge atacar as debilidades estruturais, por forma a colocar a economia portuguesa numa rota de crescimento forte, sustentado e sustentável.

Maria de Lurdes Fonseca
AEP | Departamento de Estudos e Estratégia