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Portugal prudente num mundo em euforia
Aparentemente aprendemos a lição, mas foi a opção certa?
O Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou recentemente, no seu relatório Fiscal Monitor, para o aumento da dívida pública global, que poderá ultrapassar os 100% do PIB até 2029, o valor mais alto desde 1948. Este desequilíbrio da dívida pública é explicado por défices orçamentais persistentes, que se agravaram pelo aumento da despesa pública e pelo crescimento dos encargos com juros da dívida pública, que resulta de um período de políticas monetárias mais restritivas.
Para os próximos anos, o FMI antecipa maior pressão sobre a despesa pública, refletindo a agenda mais exigente na área da defesa, as alterações demográficas, os desastres naturais, a adaptação às tecnologias disruptivas e as necessidades de desenvolvimento.
A ascensão do populismo poderá também contribuir para o desequilíbrio das contas públicas. Veja-se o que tem ocorrido na França, os extremos tendem a unir-se para bloquear medidas que contribuam para a redução do défice - que deverá rondar os 6% nos próximos anos. Afinal de contas, politicamente é sempre mais fácil e, sobretudo, popular, estar do lado de quem promete oferecer bem-estar à população no curto-prazo do que acompanhar quem pretende garantir a sustentabilidade no longo prazo. Em França, a tentativa falhada do aumento da idade da reforma de 62 para 64 anos ilustra bem a irracionalidade que cada vez mais acompanha os políticos. E, neste caso em particular, a irresponsabilidade não se limitou aos extremos.
Apesar do peso da dívida pública global em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) continuar a aumentar, prevê-se que o número de países com dívida pública superior a 100% do PIB venha a diminuir nos próximos cinco anos. O aumento do peso global da dívida pública é explicado, sobretudo, pelo aumento significativo da dívida pública em países de grande dimensão, nomeadamente nas duas principais economias mundiais, os EUA (de 122,3% em 2024 para 143,4% em 2030) e China (de 88,3% para 116,1%) e, na segunda maior economia da União Europeia, a França (de 113,1% para 129,4%).
Relativamente a Portugal, o FMI está mais otimista, não prevendo défices orçamentais superiores a 1% do PIB até 2030 e projetando uma redução da dívida pública em percentagem do PIB, de 94,9% em 2024 para menos de 80% em 2029.
Porém, é também importante referir que o equilíbrio das contas públicas foi alcançado, em parte, devido ao desinvestimento público. Para que se perceba, o peso do investimento público em percentagem do PIB diminuiu de 5,3% em 2010 para 1,6% em 2016, e recuperou para 2,7% em 2024, o que ainda assim é cerca de metade do valor observado em 2010. Esta falta de investimento público levanta questões sobre a sustentabilidade do equilíbrio das contas públicas, visto que a deterioração na qualidade do serviços públicos é cada vez mais evidente e poderá continuar a agravar-se.
O FMI aponta que o desinvestimento público foi uma tendência global desde 2010, ainda assim destacou que Portugal e o Japão foram os países entre as 147 economias analisadas que mais reduziram o investimento público em percentagem da despesa pública.
Não poderíamos ter optado por soluções mais sustentáveis para reduzir o rácio da dívida pública? Eu penso que sim, mas exigiriam um ímpeto mais reformista, sobretudo na última década, o que obrigaria a uma série de decisões difíceis, algumas com custos políticos no curto prazo.
O tema das contas públicas ganha particular relevância num período em que tanto se discute a possibilidade de uma bolha nos mercados financeiros, fruto da euforia com as novas tecnologias - onde se destaca a inteligência artificial -, que poderá contagiar a economia global.
Apesar do equilíbrio das contas públicas, estará atualmente Portugal melhor preparado para uma eventual crise do que estava em 2007? Analisarei essa questão no próximo artigo.
Cristiano Cunha
Economista no Departamento de Estudos e Estratégia da AEP
Nota: Este artigo reflete a opinião do autor, não vinculando a AEP
Para os próximos anos, o FMI antecipa maior pressão sobre a despesa pública, refletindo a agenda mais exigente na área da defesa, as alterações demográficas, os desastres naturais, a adaptação às tecnologias disruptivas e as necessidades de desenvolvimento.
A ascensão do populismo poderá também contribuir para o desequilíbrio das contas públicas. Veja-se o que tem ocorrido na França, os extremos tendem a unir-se para bloquear medidas que contribuam para a redução do défice - que deverá rondar os 6% nos próximos anos. Afinal de contas, politicamente é sempre mais fácil e, sobretudo, popular, estar do lado de quem promete oferecer bem-estar à população no curto-prazo do que acompanhar quem pretende garantir a sustentabilidade no longo prazo. Em França, a tentativa falhada do aumento da idade da reforma de 62 para 64 anos ilustra bem a irracionalidade que cada vez mais acompanha os políticos. E, neste caso em particular, a irresponsabilidade não se limitou aos extremos.
Apesar do peso da dívida pública global em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) continuar a aumentar, prevê-se que o número de países com dívida pública superior a 100% do PIB venha a diminuir nos próximos cinco anos. O aumento do peso global da dívida pública é explicado, sobretudo, pelo aumento significativo da dívida pública em países de grande dimensão, nomeadamente nas duas principais economias mundiais, os EUA (de 122,3% em 2024 para 143,4% em 2030) e China (de 88,3% para 116,1%) e, na segunda maior economia da União Europeia, a França (de 113,1% para 129,4%).
Relativamente a Portugal, o FMI está mais otimista, não prevendo défices orçamentais superiores a 1% do PIB até 2030 e projetando uma redução da dívida pública em percentagem do PIB, de 94,9% em 2024 para menos de 80% em 2029.
Porém, é também importante referir que o equilíbrio das contas públicas foi alcançado, em parte, devido ao desinvestimento público. Para que se perceba, o peso do investimento público em percentagem do PIB diminuiu de 5,3% em 2010 para 1,6% em 2016, e recuperou para 2,7% em 2024, o que ainda assim é cerca de metade do valor observado em 2010. Esta falta de investimento público levanta questões sobre a sustentabilidade do equilíbrio das contas públicas, visto que a deterioração na qualidade do serviços públicos é cada vez mais evidente e poderá continuar a agravar-se.
O FMI aponta que o desinvestimento público foi uma tendência global desde 2010, ainda assim destacou que Portugal e o Japão foram os países entre as 147 economias analisadas que mais reduziram o investimento público em percentagem da despesa pública.
Não poderíamos ter optado por soluções mais sustentáveis para reduzir o rácio da dívida pública? Eu penso que sim, mas exigiriam um ímpeto mais reformista, sobretudo na última década, o que obrigaria a uma série de decisões difíceis, algumas com custos políticos no curto prazo.
O tema das contas públicas ganha particular relevância num período em que tanto se discute a possibilidade de uma bolha nos mercados financeiros, fruto da euforia com as novas tecnologias - onde se destaca a inteligência artificial -, que poderá contagiar a economia global.
Apesar do equilíbrio das contas públicas, estará atualmente Portugal melhor preparado para uma eventual crise do que estava em 2007? Analisarei essa questão no próximo artigo.
Cristiano Cunha
Economista no Departamento de Estudos e Estratégia da AEP
Nota: Este artigo reflete a opinião do autor, não vinculando a AEP