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O crescimento do luxo vai continuar a surpreender
Um artigo de Helena Amaral Neto na revista BOW 28

A indústria do luxo e a internacionalização (iii)

A empresa mais valiosa da Europa, LVMH, é o maior grupo de luxo do mundo. Com 75 das maiores e melhores marcas de luxo, desde Louis Vuitton a Dom Pérignon, tem vindo a crescer não só de forma orgânica, mas sobretudo através de aquisições estratégicas. E as perspetivas para o futuro da LVMH, e da indústria do luxo em geral, são positivas.

Poderíamos pensar que este cenário económico, com guerra na Europa, inflação e taxas de juro a subir, iria arrefecer a vontade das pessoas comprarem carros ou carteiras das marcas de luxo. Mas não, os resultados de 2022 e mais recentes do 1.º trimestre de 2023 revelam crescimento forte nas principais marcas, acima das expectativas.

O mercado de bens pessoais de luxo atingiu em 2022 vendas globais acima de 350 mil milhões de euros, com um crescimento impressionante de 22% face ao ano anterior. E isto depois de uma recuperação em V em 2021, que já ultrapassou o ano recorde de 2019! Também o setor automóvel de luxo surpreendeu, com vendas globais de 566 mil milhões de euros em 2022. Estes são os dados do recente estudo da Bain-Altagamma, que estima um crescimento de 5% a 7% neste mercado nos próximos anos.

Mas o mercado de luxo não é todo igual. Dentro do universo de cerca de 400 milhões de clientes, que compram desde o batom Dior a 30€ ao Aston Martin DBS de 300.000€, o topo desta pirâmide tem um peso desproporcionado. Os clientes do top 5 representam cerca de 40% das vendas no mercado de luxo. Ou seja, há uma grande concentração do volume de negócios do luxo nos clientes de topo. Não admira que as marcas estejam a reforçar as suas estratégias VIC (very important client) e VVIC (very very important client) para conquistar e construir relações de confiança.

São estes clientes HNWI (high net worth individuals) e UHNWI (ultra high net worth individuals) com uma grande capacidade financeira, que explicam as perspetivas de crescimento futuro do mercado de luxo. A criação de riqueza global das últimas décadas deu origem a um número crescente de milionários e bilionários, com reflexo direto no crescimento do mercado de luxo. Este novo ciclo económico, com a queda nos mercados financeiros (e correspondente redução da riqueza) e a subida das taxas de juro vão com certeza arrefecer os impulsos consumistas da base alargada de clientes, e as marcas focadas no chamado “luxo acessível” vão ser impactadas.

Tal como os clientes, também as marcas de luxo diferem entre si. Assistimos a uma crescente concentração nas marcas de topo. As grandes marcas – Armani, Chanel, Louis Vuitton, Hermès – tornaram-se ainda maiores e mais poderosas, e destacam-se cada vez mais das marcas mais pequenas. Os grandes grupos de luxo – LVMH, Kering e Richemont – cujas marcas reforçaram o posicionamento no topo da pirâmide do luxo estão a colher os frutos desta estratégia, com excelentes níveis de vendas e rentabilidade. De acordo com a Deloitte, as 10 maiores empresas de luxo detêm uma quota de 56% das vendas totais, e 84% dos lucros! Acredito que vamos ver ainda mais concentração, com os próprios grupos de luxo a fazer compras de marcas independentes mais pequenas e financeiramente mais vulneráveis.

São muitas as mudanças neste setor, pelo que gostaria de focar 2 temas de grande impacto. Começo com a sustentabilidade, que está cada vez mais no topo da agenda de todos os líderes de empresas, no luxo e não só. Mas o tema não se limita à sustentabilidade ambiental, o desafio é muito mais complexo, conhecido pelas siglas ESG - Environmental, Social and Governance.

Os produtos de luxo, por definição, têm uma qualidade de materiais e manufatura que permite uma longa vida. Há marcas que promovem ativamente a transmissão das peças para as próximas gerações, como acontece com a marca relojoeira Patek Philippe que usa o seguinte slogan: “You never actually own a Patek Philippe. You merely look after it for the next generation.” Mas a joalharia e relojoaria são diferentes da moda e acessórios. No caso da moda, e sobretudo o fast fashion, o impacto ambiental é muito relevante, e as marcas de luxo estão ativamente a trabalhar para reduzirem esta pegada, e muitas já definiram objetivos Carbono Zero nas suas estratégias.

Outra forma de reduzir o impacto sobre o planeta é produzir menos, e dar mais vida aos produtos existentes. O mercado de segunda mão, também conhecido por pre-loved, está a explodir, com vendas esperadas de 300 mil milhões de euros esta década. As plataformas RealReal e Vestiaire Collective surgiram para dar nova vida a tudo o que está esquecido no armário. É um mercado que promove a circularidade e a longevidade de produtos que são feitos para durar. Algumas marcas de luxo estão a adotar esta oferta, que permite revender a mesma peça em vez de produzir peças novas, como é o caso da Burberry e Oscar de la Renta. A grande aliada deste processo é a tecnologia, sobretudo blockchain, que permite monitorizar os produtos ao longo de todo o ciclo de vida, com controlo de origem e autenticidade.

Também são os avanços tecnológicos que têm vindo a acelerar a digitalização dos negócios de luxo. A Web 3.0 é uma oportunidade para elevar toda a experiência de luxo, sobretudo para os exigentes clientes das gerações millennial, Z e Alpha. Estes nativos digitais, que representam uma fatia crescente dos novos clientes de luxo, esperam ser surpreendidos pelas marcas enquanto jogam Fortnite ou fazem compras no Instagram. Daí ser cada vez mais relevante a estratégia omnicanal 3.0, com integração das lojas físicas, e-commerce, social commerce além do metaverse e dos novos ativos digitais (NFTs). Ainda estamos no início desta nova realidade, onde algumas marcas de luxo têm sido líderes na inovação.

A evolução continua positiva no mercado de luxo, sobretudo com a abertura da China e o regresso do turismo de compras. Vamos ver mais concentração no topo do mercado, tanto de clientes como de marcas. A inovação vai acelerar não só a transição “verde” como novos mercados, produtos e experiências. O crescimento do luxo vai continuar a surpreender. 

Helena Amaral Neto, Coordenadora do Curso de Luxo – ISEG
In Revista BOW 28 - A Indústria do Luxo e a Internacionalização

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